A era da verdade



Coerência nas corporações

Tomemos emprestado do psiquiatra suíço Carl Jung o conceito de inconsciente coletivo para que possamos fazer uma reflexão sobre os ambientes organizacionais. Você conhece o inconsciente coletivo de sua empresa? Você sabe o que as pessoas, na sua empresa, pensam e sentem? O que de fato os funcionários de sua empresa mais valorizam? Você reconhece a relação do inconsciente coletivo da sua empresa com o mercado?

Estamos entrando na era das idéias, do significado, da consciência. Tudo leva a crer que sim, afinal, o capital intelectual está em vantagem quando comparado aos outros capitais. E também muito já foi dito sobre a importância do ativo humano sobre todos os outros. Essa é a tônica do discurso nessa era pós-industrial. Até aí, tudo bem. Mas será mesmo?

Se o ativo humano é o mais importante, é bom que haja interesse pelo que ele pensa e sente. Vamos, então, juntos, refletir sobre um dado da realidade.

No ano passado, fizemos uma pesquisa junto aos colaboradores de várias empresas cujas lideranças participavam do nosso programa de preparação empresarial para o novo milênio. O objetivo da pesquisa era saber, por meio dos próprios funcionários dessas empresas, quais eram os valores que gostariam de ver presentes nos ambientes organizacionais em que atuavam. Outro objetivo era identificar o quanto os líderes dessas empresas reconheciam os pensamentos e sentimentos de seus funcionários.

Colocamos à disposição deles um rol de valores conforme a lista abaixo...

·         dignidade e serviço ao próximo;
·         amor e generosidade;
·         verdade e integridade;
·         justiça e igualdade;
·         otimismo e fé;
·         humildade e simplicidade;
·         liberdade e autonomia;
·         iniciativa e responsabilidade;
·         esforço e perseverança;
·         cooperação e solidariedade;
·         paciência e tolerância;
·         perdão e compaixão;
·         interesse pelo conhecimento e espírito de pesquisa;
·         atenção e reflexão;
·         auto-aceitação, auto-estima e autoconfiança.

Pedimos que classificassem do primeiro ao décimo quinto lugar, conforme a importância pessoal dada a cada um dos itens. Os resultados da pesquisa só seriam divulgados para as lideranças durante o programa. Lá, os líderes teriam a oportunidade de discutir uma lista de como eles viam o que as pessoas valorizavam no ambiente de trabalho. Com isso, teríamos condições de testar o segundo objetivo da pesquisa que era saber o quanto os líderes sabiam dos pensamentos e sentimentos de seus colaboradores.

Antes de continuar, tente você também eleger os valores, do mais importante para o menos importante, conforme a sua percepção de como você vê o que as pessoas valorizam no ambiente de trabalho. Confrontando com o resultado, avalie o quanto você está por dentro do inconsciente coletivo que ronda os ambientes de trabalho.

Não sei se você terá a mesma surpresa que todos tivemos, mas o resultado da pesquisa foi o que segue...

1º.  verdade e integridade;
2º.  iniciativa e responsabilidade;
3º.  justiça e igualdade;
4º.  amor e generosidade;
5º.  humildade e simplicidade;
6º.  esforço e perseverança;
7º.  cooperação e solidariedade;
8º.  auto-aceitação, auto-estima e autoconfiança;
9º.  atenção e reflexão;
10º. otimismo e fé;
11º. dignidade e serviço ao próximo;
12º. interesse pelo conhecimento e espírito de pesquisa;
13º. liberdade e autonomia;
14º. paciência e tolerância;
15º. perdão e compaixão.

A pesquisa foi feita com 287 funcionários dessas empresas. Percebíamos que quanto mais alargávamos a amostra, mas os resultados se consolidavam, com pequenas alterações no ranking. Verdade e integridade se mantiveram sempre em primeiro lugar.

Todos gostaram de participar e de poder expressar suas preferências. Afinal, os valores traduzem os pensamentos e sentimentos das pessoas de uma organização. Se somos o que pensamos e sentimos, uma organização é o conjunto de valores de suas pessoas, ou de seu ativo humano, ou dos portadores do capital intelectual. Dá para entender? Quando se fala de valores, vasculha-se a alma da empresa. Mais ainda: uma empresa com valores é uma empresa com dignidade, na qual as pessoas sentem orgulho de lá estar. Dos valores provêm a genuína motivação e também promovem o sentimento de que a fonte do poder e do conhecimento está dentro de cada um na empresa.

Pois bem, depois de toda essa apologia dos valores, é bom que o leitor saiba que nenhum líder conseguiu reconhecer verdade e integridade como o valor mais importante para a grande maioria dos pesquisados. Com isso, tira-se a primeira conclusão: os líderes sabem muito pouco sobre os pensamentos e sentimentos de suas equipes de trabalho. Se puxarmos um pouco mais o fio da meada, tiraremos uma outra conclusão: os líderes conversam muito pouco com suas equipes.

Ora, diriam alguns, isso não é verdade! Gastamos horas em conversas nas reuniões! Aí uma terceira conclusão: fala-se muito de problemas, de gargalos nos processos, de crises, de planos de ação, de produção e faturamento, mas fala-se pouco de relacionamentos, do funcionamento da equipe, de sentimentos, de significados, de valores, de consciência. A maior parte das pessoas trabalham umas com as outras, apenas.
Porém, as conclusões não param por aí. Por que verdade e integridade como o principal valor na ótica desses funcionários?

Aí entramos num terreno fértil para pesquisadores e cientistas organizacionais e comportamentais. Esse terreno fértil demonstra o teatro que tem sido a vida nas organizações e o tanto de inverdades que as pessoas ainda são obrigadas a escutar. Desde o apelo tradicional precisamos todos apertar os cintos, estamos em uma nova crise até o demagógico as pessoas são o nosso principal patrimônio – e isso vale até a primeira queda de faturamento –, muitas são as inverdades que as pessoas precisam suportar ou fazer de conta que acreditam.

Muitas empresas vivem uma incoerência e isso talvez seja o seu maior problema. Essa incoerência está na dissociação entre pensamentos, sentimentos e comportamentos. Os objetivos não são claros, as informações não são compartilhadas, as metas não são negociadas.

Aí vem o problema maior: tudo isso causa um desequilíbrio interno que afeta também a relação com o mercado. Os líderes com baixa sensibilidade para reconhecer os valores de suas equipes também possuem baixa sensibilidade para reconhecer os valores que os clientes de suas empresas apreciam. Agora já estamos falando de posicionamento, lealdade, competitividade e lucro.

A questão é que não há mais segredos. O mercado ligado em rede sabe ou pode saber de tudo o que quiser. A incoerência interna afetará a prática com o mercado e a notícia correrá a quem possa interessar.

Por trás da escolha da verdade e integridade como principal valor, existe um grito parado na garganta, um clamor do tipo: não queremos mais mentiras, estamos cansados de mentiras! Esse clamor não é apenas do funcionário; é também do cliente.

O mercado, nos dias de hoje, quer fazer negócios com a verdade.

FONTE: TRANJAN, Roberto Adami. A era da verdade. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2004.


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